Reforma tributária – objetivos, desafios e armadilhas
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Reforma tributária – objetivos, desafios e armadilhas

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Após anos de discussão, o Brasil parece pronto para revisar o complexo sistema tributário do País a partir de 2020. Guilherme Giglio e Marcelo Natale, da Deloitte Brasil, discutem as possíveis implicações desta longa jornada em direção à eficiência tributária.

Contexto e objetivos da reforma tributária

O governo brasileiro e o Congresso começaram 2020 reiterando que a reforma do sistema tributário é uma das principais prioridades e que o objetivo inicial seria consolidar as diferentes propostas em um único projeto, o qual seguiria o processo legislativo dentro da Câmara dos Deputados e do Senado. A reforma é considerada crucial por contribuintes e investidores, não apenas devido à atual carga tributária, mas também como resultado da complexidade e dos riscos associados ao número de tributos, regras, regimes, relatórios e particularidades impostos pelo sistema brasileiro.

De acordo com os relatórios da Receita Federal do Brasil (RFB), aproximadamente 20% da receita do governo brasileiro deriva de tributos sobre a renda, enquanto quase 50% são arrecadadas por meio de tributos indiretos incidentes sobre o consumo, cada qual com suas regras e obrigações específicas. Esses números demostram o principal problema que afeta o ambiente tributário brasileiro: o sistema de tributação indireta.

Como um república federativa que adota o sistema jurídico romano-germânico, também denominado como "civil law", o Brasil historicamente estabeleceu uma estrutura complexa para a tributação indireta, com autorização constitucional para que a União, os Estados e os Municípios criassem impostos, taxas e contribuições. Portanto, com base nas regras e limitações impostas pela Constituição Federal, a legislação dos três níveis referidos de jurisdição impõe a tributação de operações de importação, fabricação e circulação bens e de prestação de serviços.

Entre os vários tipos de tributos indiretos previstos pelo sistema brasileiro, os mais relevantes são:

  • PIS / COFINS: Programa de Integração Social e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

  • IPI: Imposto sobre Produto Industrializado

  • ICMS: Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

  • ISS: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

Vale ressaltar que o cumprimento das obrigações acessórias associadas a todos estes tributos representa um enorme fardo para os contribuintes, uma vez que compreendem notas fiscais eletrônicas, inúmeras declarações, controles específicos e severas penalidades.

O relatório Doing Business 2019 do Banco Mundial estima que as empresas operando no Brasil gastam aproximadamente 2000 horas por ano somente com procedimentos relacionados ao pagamento de tributos, enquanto o gasto médio dos 190 países incluídos na análise foi de apenas 206 horas. A burocracia associada ao cumprimento de tais obrigações custa cerca de 1,5% da receita dos contribuintes no País, de acordo com o Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), além dos riscos e desafios constantes. Com base no contexto em referência, as duas principais propostas de emenda à constitucional (PECs) em andamento no congresso incluem a substituição dos tributos federais, estaduais e municipais por um novo imposto cobrado sobre bens e serviços, incluindo direitos – o IBS. O modelo proposto é semelhante ao IVA europeu, o que significa que o ônus do imposto recai apenas sobre o valor agregado em cada estágio da produção e da circulação de bens e de serviços.

Propostas em discussão

A Proposta de Emenda à Constituição 45 (PEC 45/2019), atualmente tramitando na Câmara dos Deputados, estabelece a criação do IBS como imposto federal, com abolição gradual de dez anos do IPI, do ICMS, do ISS, da PIS e da COFINS. A cobrança de impostos consideraria o destino dos bens e serviços e uma única alíquota de referência para qualquer tipo de bem ou serviço. Além disso, a PEC em questão pretende estabelecer um imposto federal seletivo, cobrado sobre mercadorias e serviços que desencadeariam externalidades negativas, cujo consumo deseja-se reduzir, como cigarros e bebidas alcoólicas.

Por sua vez, o Senado analisa a Proposta de Emenda à Constituição 110 (PEC 110/2019). As principais diferenças entre esta proposta e a PEC 45 referem-se (i) à extinção do IOF e da CIDE Combustíveis (Contribuição para a intervenção no Domínio Econômico incidente sobre o combustível), que, neste caso, também seria substituído pelo IBS; (ii) competência atribuída aos Estados; (iii) um período de transição mais curto, correspondente a cinco anos; e (iv) flexibilidade para introduzir diferentes alíquotas e incentivos para certos setores econômico.

Recentemente, o Ministério da Economia estabeleceu um grupo para estudar os projetos e apresentar propostas de melhoria. Uma das ideias debatidas é a possibilidade de "fatiar" a reforma com a criação, inicialmente, de um IVA federal para substituir o PIS, a COFINS e a CIDE-Combustíveis, oferecendo aos estados e aos municípios a opção de aderir à proposta por meio da implementação de um IVA dual. Posteriormente, a reforma introduziria mudanças, dentre outras no IPI, no imposto de renda e na folha de pagamento.

Como mencionado anteriormente, em todos os projetos, o objetivo central é simplificar o sistema tributário brasileiro, principalmente no que diz respeito impostos indiretos. De acordo com um relatório publicado em 2017 pela OCDE, mais de 165 países adotaram um modelo de IVA. Resumidamente, esses são impostos considerados economicamente eficientes, uma vez que facilitam a coleta, garantem a neutralidade na política tributária, evitam distorções nas cadeias de suprimentos e garantem livre concorrência. É o que embasou os princípios e conceitos do IBS.

Desafios para inclusão de Estados e Municípios

No Brasil, a implementação do IBS enfrenta complexidade única, uma vez que envolve as principais fontes de arrecadação de estados e municípios. Esta barreira decorre da própria Constituição Federal de 1988 que, em homenagem ao pacto federativo, autorizou que estados e municípios criassem impostos sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços.

De fato, é possível concluir que a autonomia dos entes federados pressuponha a existência de mecanismos próprios de gestão e arrecadação de receitas. Entretanto, a despeito de o ordenamento jurídico-tributário brasileiro determinar que as normas gerais para instituição de cada tipo de tributo sejam definidas em legislação federal, a introdução e o regramento detalhado cabem à legislação interna dos 26 estados e do Distrito Federal e dos 5.570 municípios brasileiros. E é justamente neste ponto em que residem os maiores desafios encontrados por contribuintes que operam no país.

As alíquotas, bases de cálculo, regimes de tributação e regras para pagamento do ICMS dependem, dentre outros fatores, da origem, do destino e da natureza da operação, do tipo de mercadoria, do enquadramento do adquirente e da existência de acordos entre os estados envolvidos. Por exemplo, não há consenso entre a doutrina, a jurisprudência e as fazendas estaduais quanto à extensão do conceito de "comunicação" para fins de caracterização do fato gerador do imposto. A substituição tributária – regime que concentra a tributação na indústria e antecipa o recolhimento do imposto incidente em toda a cadeia – adicionou complicação excepcional a determinados setores, ao mesmo tempo em que aumentou a base de arrecadação dos estados e facilitou a fiscalização do ICMS.

No âmbito dos municípios, as regras do ISS também variam em função do local onde está o prestador do serviço ou seu respectivo tomador. Não há segurança em relação à incidência do imposto sobre certas transações, como, por exemplo, a exploração de direitos autorais, softwares, transferência de dados via streaming, aplicativos e outros tipos de operações não antevistas à época da promulgação da Constituição Federal de 1988. Alguns dos serviços mencionados se encontram em zona cinzenta entre o ISS e o ICMS, colaborando para disputas entre municípios, estados e contribuintes.

Se, por um lado, é consenso que o ambiente inóspito referido anteriormente demanda reformas urgentes, por outro lado é essencial destacar que estados e municípios ficam com a menor parte do total arrecadado em tributos no Brasil – aproximadamente 30% e 7%, respectivamente –, ao passo que são responsáveis por boa parte dos direitos essenciais assegurados aos cidadãos, tais como educação, saúde, segurança pública e saneamento básico.

Portanto, para que os projetos de reforma tributária que incluem o ICMS e o ISS sejam bem-sucedidos, é fundamental que garantam mecanismos efetivos de manutenção dos níveis de arrecadação, da gestão de receitas e do poder fiscalizatório de estados e municípios. Outra ordem de prioridade poderia representar riscos ao pacto federativo e trazer maior insegurança jurídica para o ambiente que se pretende reformar.

Reforma do Imposto de Renda: uma reforma paralela?

Embora não incluída formalmente nas PEC`s 45 e 110, há discussões em andamento entre o Fisco (Receita Federal do Brasil) e o setor privado sobre uma reforma relevante focada nos tributos corporativos sobre a renda (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido).

Efetivamente, além do fato de ainda não ter sido formalmente publicado como um projeto de lei ou medida provisória, as apresentações, painéis e discussões indicam uma intenção séria da Receita Federal do Brasil em propor uma reforma referente aos seguintes aspectos:

  • Redução da alíquota dos tributos corporativos sobre a renda de uma alíquota combinada de 34% (imposto de renda da pessoa jurídica de 25% e contribuição social sobre o lucro líquido de 9%) a uma alíquota esperada de 21% (correspondente à média de países da OCDE);

  • Aumento substancial da base de cálculo como consequência de uma suposta "simplificação" e desconexão entre contabilidade e figuras e conceitos fiscais;

  • Revogação dos "juros sobre capital próprio" – JCP, uma dedução híbrida disponível para pessoas jurídicas;

  • Introdução de tributação sobre dividendos, a princípio em 15%;

Como se pode suspeitar, por trás do discurso de simplificação há uma preocupação sobre como os números serão reproduzidos ao final do dia. De fato, o alargamento da base de cálculo pode eventualmente mais que compensar o efeito da redução de alíquota, resultando em um aumento efetivo do imposto de renda a ser pago. Além disso, contribuintes preocupam-se com as propostas vagas relacionadas às alterações na base de cálculo porque o sistema atual estabelece um vínculo muito intrínseco entre contabilidade e cálculo do imposto de renda, sendo que a mudança deste paradigma pode aumentar a complexidade, ao invés de simplificá-la. Efetivamente, tanto a ECD (Escrituração Contábil Digital), quanto a ECF (Escrituração Contábil Fiscal) foram projetadas de forma que as autoridades podem "amarrar" as deduções fiscais com os registros contábeis, por exemplo. Foi uma longa jornada para se alcançar este ponto, de modo que qualquer proposição que objetive desconectar a apuração do imposto da contabilidade possivelmente reduzirá a transparência e aumentará a necessidade de reconciliações para os contribuintes.

Brasil e OCDE: uma longa novela com implicações locais e internacionais

Embora esse assunto mereça um artigo completo para explorar as várias dimensões envolvidas, devemos aqui, pelo menos, ter em mente que esse aspecto é importante para as discussões em curso sobre uma reforma tributária no Brasil. Aliás, um novo sistema tributário deveria ser razoavelmente convergente às tendências globais e diretrizes da OCDE em várias áreas tributárias. Por exemplo, no campo do imposto de renda, a redução dos impostos corporativos parece inspirada neste objetivo geral de alinhamento à OCDE, bem como as discussões relacionadas aos preços de transferência.

Diferentemente do paradigma adotado pelas administrações anteriores de criar um modelo único de preço de transferência brasileiro, parece que as discussões em andamento entre o Brasil e a OCDE finalmente indicam que é necessário um processo de convergência. Apesar do fato de não haver uma lei formal neste momento com proposições concretas, discussões em vários painéis e seminários com representantes da OCDE e do governo brasileiro indicam que existe um compromisso para implementar mudanças em um futuro próximo. O processo de adesão do Brasil na OCDE evoluiu ao longo dos anos, ora encontrando maior resistência do lado do brasileiro, ora de membros da OCDE.

Neste ponto (março de 2020), é razoável afirmar que o Poder Executivo brasileiro está comprometido em acelerar esse processo e demonstrou múltiplos esforços para revisar procedimentos, expandir a participação em vários Comitês da OCDE, etc. No lado internacional, o governo dos Estados Unidos renovou o apoio à adesão do Brasil, indicando prioridade sobre outros candidatos como Argentina, Peru e Romênia. O avanço de ambos os processos (reforma tributária e adesão à OCDE) em paralelo provavelmente garantirão que o objetivo de implementar um sistema tributário moderno e competitivo seja finalmente alcançado.

Armadilhas

Como seria de se suspeitar, o número de variáveis em discussão é significativo. Existem, também, interações não óbvias e efeitos colaterais entre as diferentes mudanças em discussão, aumentando a complexidade, uma vez que uma mudança pode indiretamente afetar outra. O peso significativo dos tributos indiretos representa, também, uma dedução do imposto de renda e a alteração do sistema tributário indireto ressoará no lado deste imposto corporativo. O desafio para os contribuintes é migrar de ideias e palavras para números e tentar modelar o impacto de tantas variáveis em seus negócios. Algumas das perguntas óbvias (e muito relevantes) para as empresas atualmente são:

  • Qual é o efeito final de todas essas mudanças em relação ao total de tributos a serem recolhidos?

  • Qual será a alíquota efetiva do imposto de renda?

  • O que acontecerá com os incentivos fiscais atualmente disponíveis?

  • Quais serão os impactos nos preços dos produtos?

  • Como os vários contribuintes da cadeia produtiva lidarão com as mudanças?

  • Como os concorrentes se adaptarão neste novo ambiente?

  • Quais são os desafios para implementar todas as mudanças em relação a sistemas, declarações, etc?

Apesar de todas essas armadilhas, existe uma percepção geral de que os potenciais benefícios valem o esforço para superar o atual sistema. Como sempre, bom planejamento, foco e recursos adequados serão críticos e criarão uma vantagem competitiva sobre concorrentes menos preparados.

Marcelo Natale

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Sócio

Deloitte Brasil

Tel: +55 11 5186 1003

mnatale@deloitte.com

Marcelo Natale, sócio da Deloitte Brasil, lidera a prática nacional de Business Tax, incluindo Impostos Internacionais e Preços de Transferência. Marcelo também lidera a otimização do modelo de negócios das firmas-membro da Deloitte na América Latina.

Ele é economista e advogado, com especialização em Finanças e Planejamento Econômico. Ele tem mais de 29 anos de experiência profissional, sendo 18 anos como sócio da Deloitte, atendendo a vários negócios e setores, incluindo Manufatura, Consumo Produtos, Serviços, Tecnologia e Indústrias.

Entre julho de 2009 e julho de 2012, ele liderou o desk do Brasil na Deloitte dos EUA, em Nova York.

Natale é palestrante regular em seminários fiscais internacionais e professor de planejamento tributário para programas LLM.


Guilherme Giglio

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Sócio

Deloitte Brasil

Tel: +55 11 5186 1921

ggiglio@deloitte.com

Guilherme Giglio é sócio da Deloitte em São Paulo com mais de 15 anos de experiência em consultoria tributária. Guilherme ingressou na Deloitte Brasil em 2006 e fez parte do time de Consultoria Tributária da Deloitte do Reino Unido em 2006, quando, baseado temporariamente em Londres, assessorou empresas europeias com investimentos e operações no Brasil. Guilherme atua na área de Tributos Indiretos e também participa de projetos internacionais e multidisciplinares, fazendo parte da equipe de Tax & Supply Chain. Guilherme é palestrante frequente em seminários e cursos no Brasil e no exterior, além de dar aulas em cursos universitários de educação executiva. Guilherme publicou diversos artigos técnicos e é autor do livro O IPI e o ICMS nas Reorganizações Societárias – Ed. Almedina, 2016. Guilherme é formado em Direito, com especialização em Direito Tributário (LLM) pelo INSPER – São Paulo, com extensão em Tributação Internacional pela Universidade de Genebra , Suíça. É membro da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP e atuou como juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT por três mandatos.


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